papa Francisco

Habemus Papam… et habemus diurnariis

Este texto, de Beatriz Farrugia*, faz parte do espaço Um foca na sexta. Entenda.

SÃO PAULO, SP – É só alguma coisa acontecer no Vaticano que meu celular não para de tocar. Quando ingressei no curso de Jornalismo, porém, uma das últimas ambições profissionais que tinha na vida era me tornar uma “papagirl” (apelido carinhoso que acabei recebendo dos amigos e de colegas de trabalho mais próximos).

Era verão, primeira semana de dezembro de 2008. Eu estava começando um estágio na agência italiana de notícias ANSA. Meu então editor, um correspondente argentino, aproximou-se da minha mesa e lançou: “Você é católica? Tem conhecimentos de Vaticano?”. Antes que eu pudesse responder, ele me informou da decisão que influenciaria minha (recém-iniciada) carreira: “Nossa redatora de Vaticano saiu. Você assumirá, ok?”.

E virou as costas.

Fiquei em choque, olhando para o terminal de notícias da ANSA que estava aberto no meu computador. Na verdade, não sabia sequer rezar direito o Pai-Nosso. As poucas vezes em que tinha ido a uma igreja, fui para assistir a missas de sétimo dia…

Comecei, então, a ler todo material disponível relacionado ao Vaticano. Afinal, não queria estragar a imagem de uma agência conhecida em todo o mundo justamente pela cobertura de – adivinhem? – Vaticano! Para quem não lembra, Giovanna Chirri, jornalista italiana da ANSA, foi a primeira repórter a noticiar a renúncia de Bento XVI, ao entender o anúncio do papa em latim. No mesmo dia, aliás, o fotógrafo da ANSA Alessandro Di Meo capturou a imagem de um raio atingindo a cúpula da Basílica de São Pedro.

Rumoresque. Ainda não cheguei ao nível de entender perfeitamente latim, mas alguns anos de “estudos” já me renderam boas reportagens especiais sobre a Santa Sé. Nessas produções e apurações, aprendi que cobrir Vaticano exige contatos. Muitos contatos. Mais até que em outras editorias, como Política, pois os assuntos importantes são trancados a sete chaves e dificilmente um integrante da Igreja Católica abre a boca a um jornalista, mesmo em off.

O papa Francisco durante conversa com jornalistas no voo que o levou de volta a Roma

Também aprendi a não me guiar por boatos e especulações. Se dizem que o cardeal A tem chances de se tornar papa, pode apostar: o eleito será o cardeal Z – quase sempre é o contrário.

Na minha opinião, no entanto, a ferramenta mais importante é entender as “entrelinhas” dos discursos e acontecimentos. E essa é uma habilidade que só se conquista no dia a dia, acompanhando cada uma das declarações oficiais, que são escritas por assessores e revisadas diversas vezes antes de virem a público.

Tecnologia e peregrinos. Com a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), no Rio de Janeiro, pude colocar em prática esses recursos e aprender mais um punhado de outros, como formas de manter a saúde mental e física ao longo de sete dias de cobertura exaustiva. Meu maior companheiro durante o evento foi “The Pope App”, um aplicativo para iPhones que oferece informações em tempo real sobre o pontífice, além da íntegra dos discursos, agenda completa e imagens de câmeras aos vivo na Praça de São Pedro.

As principais informações que obtive para meus textos não vieram do Vaticano, mas sim dos peregrinos. A mim não interessava a informação oficial (divulgada em coletivas diárias de imprensa), tampouco os discursos do papa (que eu recebia da Santa Sé antecipadamente, com embargo até o pronunciamento). Meu objetivo era encontrar histórias e informações que retratassem a importância que a visita de Francisco representava ao Brasil nos âmbitos político, social e religioso.

Por isso, deixei meu número de telefone com vários turistas e peregrinos, conversei com senhoras que acompanham de perto a igreja, entrevistei opositores e excomungados. E as informações foram chegando, as poucos, para serem montadas, como um quebra-cabeças, e se tornarem matérias.

Antes da hora. Uma dessas informações, valiosíssima, chegou às 21h do domingo anterior à JMJ. Uma das minhas vizinhas, católica fervorosa, estava hospedando uma peregrina italiana e decidiu tocar em casa para apresentá-la, já que eu falo italiano e trabalho para uma empresa de Roma. A jovem, de 18 anos, entrou na minha sala, conversamos sobre vários assuntos.

Do nada, lançou: “Não vejo a hora de ir para a JMJ da Polônia”. Retruquei: “Mas não foi confirmado ainda, né? E se não for lá?”. Ela: “Mas vai ser. Nós, peregrinos, sabemos. Só que ninguém confirma antes do anúncio do papa“. Era a indicação que eu precisava para preparar reportagens especiais sobre a próxima JMJ, em 2016, na Cracóvia.

Por cobrir Vaticano, no momento em que ouvi o nome da próxima sede, várias ideias surgiram na minha cabeça. O papa João Paulo II, o polonês Karol Józef Wojtyła, será canonizado dentro de um ano. Lembrei também da JMJ de 1991, também na Polônia – aliás, João Paulo II criou a JMJ em 1984… Pode até parecer uma informação tola, mas jamais a conseguiria por vias oficiais – e isso impediria a redação de preparar notas e matérias especiais sobre o tema.

Papa Francisco no Brasil

Copa da Juventude. Algo que também me chamou a atenção durante a visita foi a forma com que ele cativou a imprensa. Vi e ouvi elogios ao pontífice saindo da boca de repórteres que se diziam ateus e presenciei jornalistas e fotógrafos em êxtase durante os eventos da JMJ. As cenas eram de festa, comparadas a uma Copa do Mundo. Definitivamente, não é fácil escrever sobre fé, tema que desperta tantas emoções. Pior ainda é manter a cabeça e o coração no lugar enquanto 3 milhões de pessoas (estimativa do público que compareceu às missas do papa em Copacabana) gritam de alegria e devoção ao seu redor.

Mas defendo que o jornalista precisa se manter emocionalmente distante dos fatos. Qualquer tipo de envolvimento compromete, sim, a cobertura. Se os jornalistas, como um todo, tivessem sido mais distante dos fatos (com mais seriedade e menos emoção), talvez a imprensa brasileira pudesse ter noticiado e analisado melhor a viagem de Francisco. Foi o primeiro giro pelo exterior do papa. Além de líder da Igreja Católica, ele é chefe de Estado, o que torna a visita ao Brasil mais importante e significante do que apenas uma participação dele na JMJ.

É fácil perceber o deslize da cobertura da imprensa brasileira quando comparada a de veículos estrangeiros. Jornais como o El País, da Espanha, fizeram boas análises dos discursos de Francisco, destacando as principais marcas de seu pontificado e até projetando o futuro da Igreja Católica. O periódico continuou abordando o tema após uma semana da vinda do papa. No Brasil, foram poucos os veículos que produziram algo assim. A maioria quis noticiar “tudo”: curiosidades sobre o papa, histórias de peregrinos, agendas, preferências do argentino Jorge Mario Bergoglio etc. Quiseram noticiar “tudo”, mas sem se aprofundar em “nada”…

Hoje, quase uma semana após a volta de Francisco ao Vaticano, ainda sinto o cansaço da cobertura, que, tenho certeza, marcou a vida de muitos brasileiros e também dos repórteres. E torço para que em 2017 – quando o papa deve voltar ao Brasil – haja mais imparcialidade e distância da imprensa.

*Beatriz Farrugia chegou ao jornalismo depois que a convenceram de que a literatura não paga contas (“a menos que você queria passar a vida escrevendo sobre amores adolescentes, contos eróticos para mulheres, auto-ajuda ou fantasias supersticiosas, e nenhuma das opções se enquadra no meu caso”). Enquanto os colegas de faculdade – a Umesp, concluída em 2011 – já sabiam, no 1º ano, em qual editoria gostariam de trabalhar, Beatriz diz que era “a mais perdida da turma”. Ela diz que gostava “de tudo, menos de religião”, assunto que considerava entediante à época. Beatriz foi estagiária de um jornal regional e passou por editorias como Economia, Política, Cidades, Cultura e Polícia. “Os dedos de Deus e de Adão me empurraram ao mundo secreto do Vaticano em 2008, quando conquistei uma vaga na ANSA”, conta. Cinco anos depois, ela passa os dias cobrindo notícias internacionais, que diz ser sua área preferida no jornalismo, e a agenda diária do papa.

Coordenação e edição: Gabriel Toueg

Recado da Beatriz: “Quem não tiver um bom conselho para dar, que atire a primeira pedra. Conselhos são essenciais e ajudam todo profissional em início de carreira. O espaço deste blog é valioso e deve ser aproveitado por todos: estudantes, focas, jornalistas experientes. Conte sua história e auxilie um colega de profissão!”

Fotos: Luca Zennaro/Pool/Reuters e Evaristo Sá/AFP

* O título deste texto, “Habemus Papam… et habemus diurnariis“, significa, em latim, “Temos papa… e temos jornalistas”

Nota: A partir desta semana os textos do projeto Um foca na sexta serão publicados neste espaço e no blog GT:Jor, com comentários do coordenador e editor do projeto, Gabriel Toueg . Acompanhe os próximos focas no calendário.