Por Victória Brotto* , formada pelo Mackenzie em 2013
SÃO PAULO, SP – A violência contra o jornalista brasileiro não é nova. Nem é sabida tardiamente pela ONU ou por órgãos humanitários internacionais, como o International News Safety Institute (INSI). O INSI ouve profissionais e empresas de comunicação mundo afora para tentar conhecer as necessidades e os problemas que enfrentam ao buscar que a integridade dos jornalistas seja assegurada. O resultado dessa pesquisa – questionários, datas, projeções, números, expectativas etc – fica disponível no site.
Atrás apenas do Oriente Médio e de um ou outro país africano, o Brasil aparece nos rankings entre os 20 países mais perigosos para jornalistas. Tudo começou na época que Tim Lopes foi assassinado no Rio de Janeiro. Desde então, as atenções do INSI e de organizações como a Human Rights Watch estão voltadas para cá.
Quando escrevi o livro “Silêncio e reconstrução, histórias de quatro jornalistas brasileiras em áreas de conflito“, com as jornalistas Mariana Lacreta Saraiva e Fernanda Masson, os dados de espancamento, sequestro e abuso emocional e sexual a jornalistas eram constantes nas nossas pesquisas. Egito, Síria, Irã e Líbia eram, à época (2012/2013), os países com mais casos de jornalistas violados – na maioria americanos e franceses, como Lara Logan, que foi estuprada no Egito, na praça Tahrir, por mais de vinte homens.
Logan, repórter da CBS americana, contou mais tarde, numa espécie de diário, como fez para sobreviver depois do que passou. Relatou, também, como era a rede de proteção oferecida pela empresa: treinamentos constantes, preparo psicológico, revezamento de profissionais em áreas de muito risco. O New York Times, por exemplo, leva a sério essa política: um dos mais influentes jornais do mundo não permite que um repórter permaneça durante muito tempo em meio a uma guerra. Sabe que o jornalista pode morrer ou até enlouquecer na cobertura.
Lara Logan sofreu agressões sexuais ‘brutais’ no Egito (clique para ler no ‘Huff Post’)
Repórter e brasileira. Para o livro, entrevistamos algumas das principais jornalistas brasileiras no front: Adriana Carranca, Eliane Brum, Alice Martins e Lilia Teles. E escrevemos sobre as dificuldades de ser repórter mulher durante guerras e em situações de risco extremo. Na mesma época, o INSI publicou o livro “No Woman’s Land”, sobre jornalistas mulheres atuando na guerra. O diretor-executivo da Reuters falava da necessidade óbvia de proteger seus jornalistas – principalmente as mulheres, alvos sexuais e emocionais muito mais comuns durante conflitos do que os homens.
Nossa preocupação, entretanto, era falar também sobre a repórter brasileira. Ser jornalista da imprensa tupiniquim pode ser trágico na cobertura de uma guerra. Além das “violências sem dono”, é enorme o despreparo de jornais, revistas, redes de TV e sites brasileiros para proteger seus jornalistas. BBC, New York Times, Reuters, AFP, AP etc são imensamente mais bem preparados e mais responsáveis com seus profissionais. No Brasil, bastam-se com um seguro de vida, um “vai com Deus”, e um eventual treinamento vocal pra gritar diante de um policial armado: “Sou jornalista, sou jornalista!”.
Em um dos cursos que fiz sobre Jornalismo de guerra, em uma parceria da Oboré com a Cruz Vermelha, em 2011, o repórter Samy Adghirni, hoje correspondente da Folha de S.Paulo no Irã, falou sobre o que o protegeu durante a cobertura que fez da Revolta Árabe, no norte da África e em alguns países do Oriente Médio: um seguro de vida. Ele não foi treinado pelo jornal, não passou por qualquer preparo psicológico, não teve tempo sequer de estudar sobre autodefesa e táticas de sobrevivência. Nada.
No Brasil, existe sim um curso para jornalistas se prepararem para a guerra. É oferecido pelo Exército, mas só faz quem consegue se deslocar para o Rio de Janeiro. Para um jornalista de São Paulo trabalhando em uma rotina draconiana, é praticamente impensável. E acaba por aí. É de assustar a imprudência das empresas de comunicação brasileiras quando decidem enviar um jornalista para cobrir um protesto, uma guerra, países como o Afeganistão, a Síria, a Ucrânia… Como o Brasil.
É minimamente insano, em tempos em que a guerra está em todo lugar e os alvos são escolhidos à sorte, jogar um ser humano, sem qualquer proteção, em uma guerra ou um protesto para relatar, ouvir, viver e transitar entre os dois lados. Quem deveria começar a perceber isso é o próprio jornalista, que não é herói. Nem é capaz de segurar à unha as desgraças do mundo. O jornalista morre. Como Santiago. Como Ana, Maria, João, José. Colocar o culpado na fogueira não soluciona a morte nem isenta a empresa de não ter treinado e protegido seu profissional.
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*Victoria Brotto é formada em Jornalismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e estudou Relações Internacionais e Estudos Europeus na Universidade de Coimbra, em Portugal. Como jornalista, trabalhou na Rede Globo de Televisão e atualmente é repórter política do jornal Diário do Comércio.
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